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  • por Ana Paula Boni | Paladar, Estadão

Cogumelo raphanica é domesticado nos arredores de Manaus


Primeira colheita foi feita após cerca de três anos de estudos envolvendo o chef Felipe Schaedler e pesquisadora de instituto federal

De Manaus

Deve demorar para que as pessoas falem do cogumelo raphanica com a mesma naturalidade com que falam do shimeji, mas o primeiro passo já foi dado para isso. Em agosto, foi feita a primeira colheita do cogumelo amazônico, cujo cultivo foi domesticado após cerca de três anos de estudos em Manaus num projeto que reúne o chef Felipe Schaedler, do Banzeiro, a pesquisadora Noemia Ishikawa, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e a fazenda Aruanã.

A produção da raphanica tem alguns ineditismos em sua jovem trajetória – se comparada à de cogumelos como o shiitake, que foi domesticado no ano 1000, e o champignon cujo primeiro relato de cultivo é de 1600. Segundo registros científicos, é a primeira vez que se cultiva raphanica no mundo e a primeira vez que se faz cultivo de um cogumelo brasileiro da biodiversidade da Amazônia. Um rótulo e tanto para vender o produto Brasil mundo afora.

A raphanica – que cresce nas Américas e foi relatada pela primeira vez na Flórida – foi achada pela pesquisadora Noemia nos arredores de Manaus anos atrás. Depois de consultar Marina Capelari, do Instituto de Botânica de São Paulo, ela descobriu que tratava-se da raphanica. Anos mais tarde, o chef Felipe Schaedler chegou lá com um punhado de cogumelos achados na mata, querendo saber se eram comestíveis ou não.

O chef catarinense criado em Manaus se empolgou com a raphanica, recebeu estímulo de chefs como Alex Atala (para quem mostrou os cogumelos pela primeira vez em 2013) e despertou na pesquisadora a vontade de domesticá-la em laboratório. O cultivo tem impacto positivo para a gastronomia, pois oferece a possibilidade de usar um produto novo, saboroso e amazônico, e para a ciência, por ter sido desenvolvido por uma equipe brasileira, patrocinada pelo Centro de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica (Cenbam), do Inpa.

E por que escolher essa espécie para cultivar, já que há registros de 12 cogumelos comestíveis na região de Manaus? “A nossa ideia era trabalhar com algo novo. Havia cogumelos fibrosos demais e esse reunia todas as qualidades. Além disso, entre as doze espécies está a auriculária, que é produzida em toneladas pela China. Não há como competir”, conta Noemia. De acordo com a Embrapa, a Ásia responde por 60% da produção mundial de cogumelos; as Américas, apenas 5,8%.

Na mesa. O resultado de tanto trabalho pôde ser conferido pelo Paladar no Banzeiro na semana passada. O chef Felipe preparou miniarroz de raphanica cozido no caldo do cogumelo com redução de tucupi e servido com chips do fungo; tirinhas de raphanica refogadas com água de tomate e servidas com pobre-velho, planta alimentícia não convencional (panc). Fez também a raphanica com gelatina do seu próprio caldo, servida fria com ervas, e pancs como a folha-doce e a flor da folha-doce. Os pratos não estão no cardápio do Banzeiro porque a produção ainda é experimental – o primeiro cultivo, iniciado em março, foi pequeno. Agora que sabem como se dá o cultivo da espécie, cujo ciclo de vida leva cerca de oito meses, vão investir para ter na próxima safra um volume bom para usar e vender.

Felipe paga R$ 400 pelo quilo deste cogumelo seco, preço acordado com a fazenda, que é parceira no projeto. Mas ele não é o comprador único da raphanica, já que a Aruanã, como produtora e detentora das toras de castanheira onde o fungo é inoculado, pode comercializá-la. Depois de colhido, o cogumelo é desidratado ali mesmo, a cerca de 200 km de Manaus. No restaurante, o chef rehidrata o cogumelo com água fria para intensificar o sabor.

Com a pequena amostra que tem em mãos, por enquanto, ele vai divulgando sua menina-dos-olhos para clientes especiais e em eventos, como na semana passada em aula-show na Feira Internacional de Gastronomia Amazônia (Figa), em Manaus, que o Paladar foi conferir. “Com a raphanica, quero aproveitar a nossa biodiversidade e ajudar a deixar a floresta de pé.”

Veja o artigo original no site do Estadão, clicando aqui.

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