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  • Betina Mendes

Polo de cogumelo ressurge ao driblar 'invasão chinesa'


A reabertura da importação de cogumelos da China ao país, há quatro anos, "quebrou as pernas" de Lolla e Dirson Moreira. O casal de produtores havia colocado dinheiro e energia na construção de uma estufa para champignons ao lado da casa em Pinhalzinho, no interior de São Paulo, uma aposta que prometia dar alguma renda e conforto. "Mas aí vieram os chineses e acabou tudo", afirma Lolla.

Charme do strogonoff, o champignon de Paris, o mais consumido no Brasil, começou a desembarcar nos portos brasileiros a um preço médio de R$ 3,00 por quilo em conserva. Só o custo de produção de Lolla e o marido era quase o triplo disso. Em 2011, eles desistiram do cultivo, acompanhados por muitos produtores de Pinhalzinho e de Mogi das Cruzes, os maiores polos de fungicultura no país.

Família Moreira: fecharam a estufa por causa do produto importado e voltaram a produzir cogumelos um ano depois.

A quase derrocada do setor, que já não era organizado nem expressivo em termos de negócios, veio com o término, em 2008, do direito antidumping que havia vigorado por dez anos contra os cogumelos chineses. Desde então, o produto asiático só avançou no mercado brasileiro. As importações de champignon chinês em conserva ou transitoriamente conservado (que ainda não está pronto para o consumo) subiram de 705 toneladas, em 2009, para 4 mil, em 2012. A estimativa é de que já representem cerca de 70% do consumo no país.

O impacto da concorrência - desleal, afirmam representantes do setor - acabou tendo o efeito benéfico de forçar uma reestruturação na fungicultura nacional. Sem a proteção comercial, os produtores brasileiros tiveram de recorrer a novos modos de produção e a variedades apreciadas pelo consumidor de maior poder aquisitivo, como o shitake e o shimeji. O pulo do gato, no entanto, era bem mais simples: para driblar os chineses era preciso também vender o champignon in natura, mais rentável e com custo de produção inferior ao do similar em conserva.

Shimeji: variedade ainda tem baixa produtividade.

"Foi a mudança estratégica para sobreviver. Pela distância, a China não consegue exportar para cá cogumelos frescos, e nenhum dos nossos vizinhos têm tradição nisso - só o Chile, mas de uma variedade consumida desidratada", diz Daniel Gomes, especialista em inovação pós-colheita e agregação de valor da Associação Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), da Secretaria de Agricultura.

Gomes vem trabalhando na capacitação dos produtores para a revitalização da fungicultura em Pinhalzinho, e os avanços têm sido significativos. A venda in natura elevou a renda média dos produtores em 40%, o que tem encorajado quem tinha saído a voltar ao cultivo. Lucas Moreira, filho de Lolla e Dirson, pediu demissão do departamento de marketing da Coca-Cola e reabriu no ano passado a estufa dos pais. Os cogumelos de Paris agora são estocados na câmara de refrigeração ao lado, uma das três construídas nos últimos 12 meses em Pinhalzinho.

O cultivo de cogumelo é trabalhoso, não tem sábado nem domingo. Mas a comercialização in natura elevou o lucro

"Investi R$ 5 mil em refrigeração, mas vou ter reformar [a minha câmara] para aumentar a capacidade de armazenagem", afirma José Carlos de Oliveira, outro produtor da cidade, cujo filho comprou recentemente um caminhão com capacidade de transporte de três mil bandejas de 500 gramas de cogumelos para realizar as cinco entregas semanais de Pinhalzinho à Ceagesp e a outros distribuidores.

Mais organizados e sob orientação técnica, os 48 produtores da cidade passaram a dar eficiência à logística e a adotar cuidados no manuseio dos cogumelos. O "timing" para colheita e embalagem tornou-se crucial. Ao contrário do cogumelo em conserva - branquiado, cozido e armazenado em solução conservante -, os frescos têm vida útil de só uma semana. O cuidado em retirá-los é maior e as mãos não podem estar sujas ou salgadas de suor - champignons escurecem ao mais rápido toque.

Toricelli: redução de mão de obra com cogumelo fresco

"O cultivo de cogumelo é trabalhoso, não tem sábado nem domingo.Eles nascem a toda hora. Mas a comercialização in natura elevou o nosso lucro porque vale mais e os custos são menores", diz Evandro Toricelli. Como a maior parte dos seus colegas de Pinhalzinho, Toricelli "aventurou-se" nesse novo mundo há um ano e diz que hoje 85% do que vende é fresco. Somente os cogumelos menores ou com imperfeições (não ser redondinho é a maior delas) são destinados ao comércio em conserva.

No fim do dia, o esforço vale mais a pena, diz Gomes, da Apta. Isso porque para cada quilo de cogumelo processado é necessário 1,4 quilo de cogumelo fresco (o cozimento tira peso do cogumelo). A primeira perda está, portanto, aí. Na outra ponta, a venda in natura rende um lucro médio de R$ 10,80 por quilo ao produtor, em comparação ao R$ 1,00 por quilo do conserva. "Mas para nós, o melhor mesmo foi reduzir a mão de obra com a venda in natura porque não tem mais tantos processos. É coletar e embalar", afirma Toricelli. "Reduzimos de cinco para três o número de pessoas trabalhando".

Produção de shitake ganha adeptos em Pinhalzinho...

O champignon de Paris responde por oito mil toneladas da produção nacional, de 12 mil toneladas. O restante está pulverizado entre shitake, shimeji, portobello e outras variedades menos representativas. Em Pinhalzinho, essa lógica se repete, mas os fungicultores começam a sofisticar a oferta. A família Moreira, por exemplo, começou os primeiros experimentos com shimeji no antigo estábulo da propriedade. Dizem estar ainda longe de chegar ao estado ótimo de produtividade - uma reclamação comum entre os produtores.

O meio de cultivo é o mesmo do champignon de Paris: um composto de palhagem e trigo inoculado com o fungo, guardado em sacos de 15 quilos. É nesse ambiente, mantido em temperatura alta, que ocorre a colonização. Para o cogumelo brotar é preciso terra e água e, em um segundo momento, um choque térmico com a reversão da temperatura. Cada saco de composto orgânico de boa qualidade rende 3,5 quilos de cogumelos. "Mas o shimeji rende 400 gramas, quase nada", afirma Lucas Moreira. "O alto custo do composto e a baixa produtividade ainda não tornam a produção viável pra gente".

...e agrada a consumidor de maior poder aquisitivo

Já o shitake, que é cultivado em "tijolos" de serragem prensada, tem tido resposta melhor. "Estamos explorando um nicho de mercado em que os chineses não conseguem entrar", diz a produtora Maria Janete Torres. Ela e o marido, Paulo, se especializaram nessa variedade depois da chegada dos chineses e tornaram-se uma referência em qualidade e eficiência na produção de shitake em Pinhalzinho. "Na época em que os chineses chegaram o preço do quilo do champignon pago ao produtor caiu de R$ 11 para R$ 5", lembra.

Constituída no ano passado, a Associação Nacional de Produtores de Cogumelo (ANPC) tenta fazer voltar a vigorar o direito antidumping. Apesar dos esforços de diversificação do produtor, a desvantagem comercial ainda atrapalha o rumo da atividade no país. "O cogumelo da China, por uma série de fatores, incluindo algumas práticas desleais como triangulação de produtos através de países do Mercosul, chega ao Brasil a um preço muito baixo, o que tem causado dano aos produtores nacionais", diz Carlos Lima, diretor-executivo da entidade, com sede na capital paulista. "Muitos dos produtores nacionais, em sua maioria agricultores familiares, foram obrigados a encerrar atividades no decorrer dos últimos anos por não conseguirem competir com o produto importado".

De acordo com a entidade, o preço médio FOB do cogumelo em conserva originário da China variou de US$ 1,37 a US$ 2,84 entre janeiro e junho deste ano, dependendo do porto de entrada.

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